Após dormir 13h, já me sinto em condições para escrever o relato da viagem à Estónia. Se bem que as costas ainda estão doridas e as olheiras ainda não desapareceram, mas paciência.
Sexta feira, dia 6, sai de casa pela manhã, com destino a Katajanokka, o terminal dos ferries da Viking Line. O dia começou bem: assim que chego ao comboio em Leppävaara, o dito cujo avariou e demorei mais 15min a chegar a Helsinki... felizmente que o atraso não afectou o passeio, mas por momentos ainda imaginei que não iria chegar a tempo ao navio.
Cheguei ao terminal e não conseguia dar dois passos sem esbarrar em grupos de pessoas que andavam por lá de um lado pró outro. Fiz o check-in, comi um delicioso donut e quando foi hora, lá entrei para o ferry. Acho que foi a primeira vez que naveguei a sério, só me lembro de ter andado de cacilheiro e no barco que faz a ligação Peniche-Berlengas.
O navio em si era um centro comercial flutuante. Tem 3 decks interiores para o transporte de veículos, 1 deck com cabines para passageiros pernoitarem em viagens maiores, 1 deck com uma loja tax-free onde predominam as bebidas alcoólicas e os perfumes e 3 decks abertos repletos de bares, cafés e restaurantes de vários géneros.
Atravessando o Báltico.
A viagem dura 2.30h e é bastante agradável, pelo menos para mim que gosto imenso do mar. O navio é tão grande que não se sente a ondulação nem o movimento. Dei umas voltinhas pelo navio, comi um hamburger de tamanho épico e um Forest Noir que me soube pela vida, comprei um chocolatinho na loja tax-free, tirei umas fotos e entretanto cheguei a Tallinn.
O Forest Noir de 3.50€ a bordo do navio
Eram 14h quando o navio aportou. Assim que sai do terminal e comecei a caminhar para a Old Town, fui repetidamente abordado por distribuidores de panfletos de tudo e mais alguma coisa. Uma das moças que me espetou com um panfleto na fuça e que eu não aceitei disse que era de um strip club, coisa que mais tarde me viria a arrepender.
Chegando à Old Town, foi como entrar numa máquina do tempo e regressar ao séc. XV. O centro histórico de Tallinn está muito bem conservado e limpo, cheio de pequenos museus de tudo e mais alguma coisa, restaurantes de temática medieval, pequenas galerias de arte e muitos locais a vender souvenirs em trajes tradicionais. Captava bem o espírito da cidade que foi uma das principais pertencentes à antiga Hansa, que para quem não sabe, era uma coligação económica medieval que abrangia as regiões germânicas até à cintura de países do Báltico.
Uma das ruas da Old Town
Uma secção da muralha com um pequeno museu no interior que estupidamente não cheguei a visitar
Antigo edifício da guilda hanseática, à noite
Um pouco limitado pelo tempo, só visitei o pequeno Museu de História Natural da Estónia, onde destaco os fósseis de mamutes que outrora andaram por aqui. Vi uma montra com uma performance steampunk muito engraçada, passei pelo Museu da Marioneta e um antiquário que vendia armas e equipamentos autênticos da 2ªGuerra Mundial. Gostei imenso dos capacetes soviéticos, aliados e nazis, que custavam 2000eek, cerca de 120€, mas o antipático dono da loja não me deixou fotografar. Tentei procurar algum museu de antropologia, mas não encontrei.
Reconstrução parcial de um mamute no Museu de História Nacional
O antiquário que vendia memorabilia militar
Tinha que descobrir onde ficava a National Library com alguma urgência, pois sabia que ainda era longe do sitio onde estava e precisava de lá estar às 17h, hora a que iria apanhar o autocarro para a aldeia de Käsmus, para o Viru Folk. Quem tem boca vai a Tallinn, e entre velhotas que não falavam inglês, locais que não sabiam ou que não queriam falar comigo, punks que não sabiam mas que me auxiliaram com um mapa e gente que me perguntava se eu era british, lá dei com a biblioteca. Cheguei lá eram 16h, e tirando uma igreja mesmo em frente, não haviam muito que ver naquele quarteirão. Como estava preocupado com o autocarro, acabei por abancar lá a descansar os pés e esperar... esperar... 17h... esperar... 17.30h... esperar... e finalmente lá veio o autocarro, pelas 17.50h, para alívio meu e do pessoal que foi chegando. O bilhete ida e volta custou 100eek, cerca de 6.50€ por 90kms para lá e mais 90 para cá.
Biblioteca Nacional da Estónia.
A viagem demorou duas horas, em parte porque os primeiros 20-40kms de autoestrada à saída de Tallinn estão em obras e era uma enchente de veículos brutal. Dava vontade de sair do autocarro e ir a pé, aquilo era mesmo muito lento... Devagar se vai ao longe, e lá chegámos a Käsmus.
É uma aldeia muito pequena na costa do Báltico, com cerca de 20 habitantes permanentes e uns 50 que têm lá casa de férias. Praticamente todas as casas tinham uma barraquinha de comes e bebes no quintal, exploradas pelos donos da casa e com preços muito convidativos; bem como diversas barraquinhas de artesanato, roupas, petiscos, conservas e afins espalhadas por todo o lado em virtude do festival, tudo pequenos negócios de familia e com preços muito baixos. Existia ainda um serviço de "taxi" numa espécie de riquexó puxado por bicicleta para mais fácil mobilidade entre as zonas do festival, destinado a grávidas, deficientes físicos ou pessoas mais velhas que tivessem problemas a caminhar. Uma óptima iniciativa, a meu ver.
O Báltico visto de Käsmus
A estrada que percorre a vila com as barraquinhas de artesanato
O recinto do festival
Comprei o bilhete para ver apenas Korpiklaani, dado ter chegado bastante tarde e ser só uma banda a tocar antes deles, custou 225eek. Foi o primeiro festival em que vendiam bilhetes só para se ver uma banda, iniciativa louvável em todos os festivais, mas exequível apenas em sitios pequenos como este. Basicamente o bilhete para uma banda tinha as horas lá registadas e os seguranças deixavam entrar nessa hora, sendo que varriam o recinto quando a banda anterior terminava para o pessoal que só quis ver essa banda sair. Claro que quem tinha a pulseira para todos os dias ou para o dia inteiro podia lá ficar. Tendo em conta que eram 6 pequenos palcos espalhados pela vila, onde tocavam 3 bandas em simultâneo, a coisa funcionava bastante bem e que eu saiba, não houve problemas.
Como o Gordo me tinha incentivado a experimentar os enchidos locais, decidi-me a jantar um prato de salsichas frescas com batatas fritas temperadas com paprika e uma espécie de sauerkrout com tomate e pepino misturado. Estava muito bom, e por 50eek, ainda soube melhor.
As papinhas que o Gordo recomendou
Entretanto conheci a Krista, uma das organizadoras do festival com quem tinha falado por e-mail anteriormente. Fiquei por lá de conversa com ela até poder entrar para Korpiklaani.
O concerto foi muito bom, muito bailarico, uma setlist equilibrada entre todos os albuns, com direito a sessão de joiku e umas músicas de Shaman que adorei ouvir ao vivo. Os membros da banda sempre muito simpáticos e já um bocadinho bebedos, com quem tive oportunidade de conviver no final do concerto. E era o aniversário do baixista.
Após Korpiklaani, cansado do bailarico e quase sem voz de cantar, encontrei-me novamente com a Krista e ficámos de conversa até chegar o autocarro. Deu-me a provar um saboroso licor de ervas lá do sitio, que sabe demasiado bem para uma bebida de 35%, pois não se sente o alcool. Conheci ainda as irmãs dela, e apesar de não darem bem com o meu nome, eram todas muito simpáticas com quem irei manter contacto. Queria ter comprado uma blusa estilo medieval e um pendente com runas mas as lojinhas fecharam durante o concerto e acabei por não trazer nada...
O belo do licor de ervas
Pelas 2h lá me meti no autocarro de regresso a Tallinn, desta vez pontual. Quando lá cheguei, fui procurar o Von Krahl, um bar alternativo que a Krista me tinha recomendado. O plano original até era dar uma volta pela cidade e abancar a dormir lá num cantinho qualquer até de manhã, mas sendo que era sexta feira à noite e a chungaria andava pelas ruas, foi-me dito que era melhor não dormir na rua, senão ainda me davam um enxerto de porrada e ficava sem nada. Novamente às voltas pela Old Town, percebi o aviso que me tinham dado... Num bar por onde passei vi dois gajos à porrada, com direito a atirar mesas e garrafas um ao outro. Um pouco mais à frente vejo um gajo a correr com três malas de gaja na mão, a escugitar à procura de dinheiro. Não, ninguém se meteu comigo, descansem. Lá cheguei ao Von Krahl... mas faltavam 10min para fechar, infelizmente. Fiquei à porta a falar com algum pessoal que por lá estava, incluíndo um gajo que organiza concertos de industrial em Tallinn e em Helsinki, que costuma ir passar férias a Barcelona e está a pensar ir a Lisboa porque tinha ouvido falar do Bairro Alto. Estonians are the ultimate party people, segundo pude confirmar.
Após procurar em vão o tal strip club para passar o resto da noite, desisti e fui para o porto. Apesar de não ser o meu objectivo, o turismo sexual é um ponto forte em Tallinn.
Regressei ao terminal do ferry, que ainda estava fechado. Deitei-me lá num banco a ver se dormia, mas os fucking mosquitos e as barulhentas gaivotas não deixaram. O terminal abriu às 6h e o café às 7h. Fiz o check in e abanquei no café, onde comi quatro deliciosos pirukas (pastéis) de carne que custavam 30cent cada, e um chocolate quente. Foi a primeira vez desde que aqui cheguei que gastei menos de 5€ numa refeição, e esta soube-me pela vida.
Novamente a bordo do ferry, fui para o deck superior deitar-me num banco, onde ainda dormitei uma horinha... até acordar com chuva, vento e frio. Não foi nenhuma tempestade, mas foi o suficiente para quase toda a gente abandonar o deck e se refugiar no interior do navio.
Cheguei a Helsinki às 10.30h e percebi o porquê da enchente do dia anterior. É que a hora a que este navio chega coincide com a hora do check-in para o que vai para Tallinn, então o terminal enche de gente que chega e gente que vai.
Confirmo ainda que quase toda a gente vai de malas vazias e as trás cheias de cerveja, vodka e licores comprados a bordo do navio. Esta gente bebe que nem camelos...
Resumindo, gostei imenso da Estónia e tenho pena de não ter tido mais tempo para lá estar. Se puder ainda volto lá antes de ir embora, apesar de ser complicado tanto por tempo como por dinheiro. Gostava de poder explorar melhor a Old Town e sobretudo de ir aos restaurantes medievais. Diverti-me imenso por lá, conheci gente muito simpática e hospitaleira, e aprendi algumas coisas sobre o local.
Como todos os países de leste, está patente um pequeno ódio contra os russos, que ainda hoje em dia continuam com ideias imperialistas. No entanto, a população é geralmente muito tolerante para com gentes de outros países. Mesmo a malta mais nova com quem falei me disse que apesar de não gostarem dos russos, muitos têm grandes amigos russos, tanto que vivem na Estónia ou na própria Rússia.
No entanto, tal como outros países de leste, as áreas mais importantes da sociedade funcionam a 100% e a baixo ou nenhum custo para a população: saúde, educação, transportes públicos e comunicações.
Estes sinais encontravam-se por toda a cidade, a explicar como aceder gratuitamente à rede wireless em Tallinn.
A Estónia é um país surpreendemente avançado em termos de tecnologias. Plano Tecnológico Nacional, metam-no no cú... Na Estónia existe uma rede wireless pública acessível em qualquer ponto do país, até mesmo no meio do mato. Também segundo me disseram, o Estado publica avisos à população via SMS, conceito que ainda não tinha ouvido em lado nenhum. Em Portugal seria uma óptima maneira de, por exemplo, incentivar as pessoas a irem votar.
Goodbye Tallinn!
PS: Acho que as eslavas conseguem destronar as finlandesas em termos de beleza... para onde olhava, só me babava!